quinta-feira, junho 16, 2011

Portugal: Editar em tempo de crise é chover no molhado

Fonte: Diário de Notícias (Lisboa). Data: 26/05/2011.

Autor: Manuel Porto Valento.

Sei que, num estudo encomendado por um dos nossos grandes grupos editoriais, um especialista afirmou serem os momentos de crise favoráveis à leitura e ao livro, uma vez que as pessoas ficam mais por casa e, portanto, mais disponíveis para actividades gerais de entretenimento e lazer cultural. Não sei se a tese é consistente, mas sei que a desmentem, para já, os resultados das principais cadeias de livrarias.

Editar em tempos de crise é chover no molhado: mesmo em tempos de vacas gordas a actividade editorial portuguesa sempre esteve condicionada pela escassez de massa crítica, pela falta de hábitos de leitura e pelo parco estímulo recebido, quer do poder político, quer das diversas instâncias da comunicação social. Poder-se-ia pois dizer que os editores conhecem como ninguém os meandros de uma situação em que a vontade de fazer mais e melhor esbarra, invariavelmente, com a escassa resposta do mercado e o silêncio, tonitruante, de muitos prescritores.

É evidente que a presente crise, e a dificuldade de crédito que lhe está associada, pode afectar seriamente a sobrevivência de algumas pequenas editoras - muitas delas responsáveis por linhas editoriais que contribuem notoriamente para o enriquecimento do nosso tecido cultural. Os grandes grupos e as grandes editoras têm logicamente outras possibilidades de defesa, se souberem articular inteligentemente a edição literária e a edição comercial e não caírem na armadilha de pensar que é editando "pior" que melhor se defendem das inevitáveis contracções do consumo. Até porque, em minha opinião, será a literatura mais ligeira (e uso a designação sem qualquer intenção pejorativa) aquela que mais sofrerá com os efeitos perversos de uma crise.

Sempre defendi que é preciso publicar o que "dá" para poder publicar o que "não dá". Nunca como nestes tempos será preciso compreender o que significa articular estes dois polos de uma mesma realidade. Se a edição já não é o território utópico em que o autor (o verdadeiro autor) era o sintagma nominal que justificava toda uma actividade; se o leitor se tornou, com a emergência da indústria editorial, o animal feroz que todos querem domesticar e compreender; se os editores (os verdadeiros editores) se confrontam hoje com o poder crescente das estruturas comerciais e de marketing; se o país está em crise (económica mas não só), cujos efeitos os potenciais compradores de livros sentem no bolso - então chegou a altura de compreender definitivamente que a edição é fundamental na educação de um povo e que não pode ser abandonada às flutuações dos ratings e às oscilações dos mercados. Pena é que os partidos políticos não o tenham ainda compreendido.
 
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1 comentário:

Clara disse...

acho que a crise propicia a leitura, ou pelo menos a procura de actividades de lazer que se possam fazer em casa, uma delas é a leitura. Ao mesmo tempo também não posso deixar de me lembrar que comprar um livro é um prazer caro, nem toda a gente tem 15 ou 20 euros para comprar um livro. No entanto existem outras formas de ter acesso ao livro sem o comprar, existem bibliotecas... e existe a estante do amigo, do vizinho, da avó... para além do bookcrossing, que por acaso até acho que poderia ter na crise uma oportunidade de finalmente se afirmar em Portugal. Mas realmente para as editoras, não me parece um bom momento, um abraço